Questões mal resolvidas e mágoas acumuladas entre parentes, mesmo envolvendo aqueles que já partiram há tempos, podem gerar dor, sofrimento e ruídos nos relacionamentos que atravessam gerações.
Para romper esse ciclo penoso, muitos defendem que a técnica da Constelação Familiar Sistêmica pode ser um recurso benéfico, rápido e eficiente. Mas afinal, o que é isso?
Entenda melhor como esse método funciona e como ele atua para melhorar a comunicação entre pessoas que se ama, mas às vezes não conseguem se entender
O que é a constelação familiar?
A constelação familiar é uma prática considerada terapêutica que busca resolver conflitos familiares que atravessam gerações. Num primeiro olhar, a técnica tem conteúdos parecidos aos do psicodrama, por conta da dramatização de situações, e da psicoterapia breve, pela ação rápida.
A dinâmica pode ser feita em grupo ou individualmente. Durante a sessão são recriadas cenas que envolvam os sentimentos e sensações que o constelado sente sobre sua família.
Nas sessões em grupo, são os voluntários e participantes que vivem essas cenas. Já nas sessões individuais podem ser usados esculturas de bonecos ou quaisquer outros recursos disponíveis – setas, pedra adesivos, âncoras de solo – para representar os diferentes papéis do sistema.
Trata-se de uma técnica subjetiva, e por essa razão muitos especialistas consideram equivocado chamá-la de terapia. Ela foi criada pelo psicólogo, teólogo, filósofo e pesquisador alemão Bert Hellinger (1925-2019) que leva em consideração conceitos energéticos e fenomenológicos.
É uma técnica reconhecida pela ciência?
A Constelação Familiar não é reconhecida pelo CFP (Conselho Federal de Psicologia) nem pelo CFM (Conselho Federal de Medicina), embora abordagens —como o psicodrama — e teorias que a respaldam sejam reconhecidas.
A técnica não é reconhecida como terapia porque faltam dados e estudos científicos que possam comprovar sua eficácia. Vale salientar que o próprio Bert Hellinger, criador da técnica, denominava a constelação como método empírico, ou seja, baseado na vivência e observação do próprio pesquisador.
Profissionais formados em Psicologia Familiar Sistêmica estudam teorias e metodologias como o psicodrama, do romeno Jacob Levy Moreno (1889-1974), na qual é utilizada uma técnica teatral compondo cenas trazidas pelo paciente para trabalhar questões. Além disso, a técnica de Esculturas Familiares, introduzida pela psicóloga norte-americana Virginia Satir (1916-1988) certamente foi a inspiração para o uso dos bonecos.
Muitos profissionais acreditam que a terapia convencional, inclusive a familiar, é mais cuidadosa por lidar com questões emocionais num tempo e numa amplitude maiores.
O pós sessão e os novos insights advindos de uma sessão são intensos, importantes e devem ser trabalhado com todo o cuidado. Por esse motivo, mesmo que o CFP não proíba nem contraindique a Constelação Familiar, o ideal é que ela funcione como prática complementar à psicoterapia —inclusive, o próprio SUS (Sistema Único de Saúde) já a autorizou com essa finalidade.
A constelação familiar pode substituir a terapia? O que ela busca resolver?
É fundamental avisar que a constelação familiar não substitui a psicoterapia convencional, muito menos dispensa o uso de medicamentos e tratamento psiquiátrico para certas doenças —mesmo porque ela não cura nenhuma doença, apenas serve como recurso para sanar determinados problemas comportamentais e relacionais.
As principais questões levadas à constelação familiar envolvem relacionamentos com o pai e/ou mãe. A aplicação é muito abrangente, mas a maior parte dos emaranhados estão ligados à relação que as pessoas têm com os pais, como a dificuldade de aceitar certos comportamentos deles que rechaçam, mas que não conseguem deixar de reproduzir.
Conflitos com filhos adolescentes também são rotineiros nas constelações, já que nessa faixa etária as discussões e o fato de eles se acharem mais espertos do que os pais são habituais.
Dificuldades no emprego e no meio profissional, um destino familiar recorrente, problemas financeiros e condutas repetitivas (como escolher amizades ou relacionamentos afetivos abusivos) são outros males comuns abordados nesse tipo de terapia.
Dois dos problemas mais constelados são as dificuldades em lidar com dinheiro e em estabelecer relações amorosas saudáveis. Durante o processo, é comum que a pessoa perceba que vem repetindo padrões de seus antepassados, mesmo que nunca os tenha conhecido. Um bisavô endividado ou uma tia-avó que foi abandonada grávida e desprezada pela família pode afetar as gerações futuras.
Não se trata de “maldição”, mas, de acordo com os estudos de Bert Hellinger, os descendentes acabam repetindo o destino —ainda que inconscientemente — de outros. Essa repetição de destino é uma forma de aliança que o sistema faz para trazer os membros que foram excluídos ou não reconhecidos para o lugar que pertencia a eles.
Mas o efeito depende do quanto a pessoa está aberta para a transformação. No processo, representantes e facilitadores podem pronunciar frases específicas de cura sistêmica.
Algo como “devolvo o que é seu e tomo o que é meu”, “teve que ser como foi”, “eu te aceito”, “eu vejo você e permito que você me veja”, “se eu ou meus ancestrais causamos algum mal, por favor nos perdoe”, “eu perdoo você”, “está tudo bem”. Para os especialistas na técnica, essas frases repercutem de forma interna e ajudam a resinificar dores, mágoas e conflitos.
A emoção vai sendo diluída e substituída por apaziguamento. “Agora estou em paz” é uma frase que pode selar o fim, sendo que cada um usa o livre arbítrio para decidir qual o comportamento adequado a partir de então.
Todo mundo pode fazer constelação familiar?
Quem aplica a constela técnica ainda não é indicada para pessoas num momento de depressão intensa, emocionalmente frágeis ou comprometidas cognitivamente, pois toca em sentimentos muitos profundos e, para muita gente, difíceis de lidar.
Pessoas com quadros psicopatológicos, que estejam em crise psiquiátrica ou em pré-crise, vítimas de traumas profundos, e pessoas sob efeito de álcool e drogas também não devem fazer.
Crianças podem participar se tiverem autorização dos pais e se assim desejarem, mas Bert Hellinger sugeria que tivessem mais de 8 anos de idade, faixa etária em que a compreensão de alguns fatos já é melhor.
Quanto às gestantes, quem aplica a constelação familiar não recomenda que grávidas em situação de risco e gestações no primeiro ou no terceiro trimestre não devem constelar, sob o risco, respectivamente, de aborto e parto prematuro.
Além disso, por mais que as sessões sejam abertas a espectadores, pois eles ajudam a facilitar a compreensão, os consteladores pedem que pessoas apenas curiosas não participem, pois as constelações servem para tratar questões que incomodem as pessoas de fato.
Quero constelar minha família, todos eles precisam ir?
O trabalho de Constelação Familiar pode acontecer em grupo ou individualmente. Em grupo, o trabalho é dirigido por um facilitador e as pessoas (outros especialistas, gente do público) podem participar como representantes.
Explicando melhor: familiares, mesmo os envolvidos no tema/problema do constelado, não precisam participar. Mesmo porque, às vezes vêm à tona questões envolvendo parentes já falecidos.
Só que o fato de a pessoa não estar presente ali não significa que não está presente na vida de quem vai constelar. Aliás, também não é preciso conhecer detalhes da árvore genealógica ou do histórico da família.
As informações necessárias surgirão através de uma espécie de percepção e da memória coletivas.
E de acordo com os especialistas no tema, a pessoa sente profundamente o acontecimento e o campo – a sessão, com os participantes – mostra isso ou, pelo menos, indica caminhos. Quando um familiar muda, o sistema familiar todo acaba se transformando. Uma constelação pode atuar por meses com um efeito dominó.
Quantas sessões são indicadas?
Pessoas que aplicam a constelação familiar dizem que uma única sessão é suficiente para ter resultados satisfatórios. Não é recomendável nem usual trabalhar mais de um tema em uma sessão.
A pessoa pode, sim, fazer outra sessão, mas para um tema diferente e com um intervalo mínimo de um mês, em média. Como tudo está interligado, o trabalho em um tema pode afetar também uma outra questão.
As 3 leis do amor e os princípios da constelação familiar
A Constelação Familiar se baseia em três conceitos conhecidos como Leis do Amor, que atuam consciente ou inconscientemente em todos os sistemas de relacionamentos. Segundo Hellinger, o respeito a essas leis gera relações harmoniosas e felizes entre seus membros, que se tornam capazes de evoluir em toda as áreas da vida.
O infringir dessas leis, ainda que num plano inconsciente, pode gerar dores, conflitos e sofrimentos. As Leis do Amor são:
Lei do Pertencimento
Todos os membros têm o direito de pertencer ao sistema. Na família, isso inclui crianças abortadas (por aborto espontâneo ou provocado), bebês natimortos e parentes sobre os quais muitas pessoas não gostam de falar ou que, por algum motivo, foram excluídos.
É o caso de alcóolatras, dependentes químicos, criminosos condenados, homens e mulheres não aceitos por sua conduta ou orientação sexual e mortos de maneira trágica.
O reconhecimento do lugar impede que outro membro do sistema tenha necessidade de repetir a mesma situação que excluiu o membro anterior -isso porque se alguém é excluído, outra pessoa ocupa esse lugar. Todo mundo precisa ter uma posição no sistema e no coração da família.
Lei da Ordem ou Hierarquia
Significa a necessidade de reconhecer o lugar de um membro no lugar que lhe é devido reconhecendo a ordem de precedência dentro do sistema.
Exemplo: um pai sempre será o pai, independentemente de estar ou não presente ou não fisicamente. Isso vale, inclusive, para adoções ou novos casamentos –o pai ou a mãe biológicos precedem os adotivos e os padrastos e madrastas.
Se a avó criou o neto por algum motivo, isso não deve impedir que a mãe tenha seu lugar no sistema. Os filhos também têm a sua posição conforme a precedência.
Quando houve um aborto, a criança que não nasceu deve ser respeitada na ordem que lhe confere o lugar –por exemplo, antes do nascimento de um outro filho.
A Lei da Ordem também cobra pelo reconhecimento dos fatos da vida e sua importância para seguir adiante, como reconhecimento das relações anteriores para que se tenha sucesso nas relações posteriores.
Devemos ter gratidão aos que vieram antes. Com esse reconhecimento, podemos seguir fortes sem carregar nada do passado.
Lei do Equilíbrio
Em qualquer sistema de relacionamento, os membros pertencentes devem se sentir em equilíbrio para que a relação flua em harmonia. Quando um membro se sente “maior” do que outro em importância, a relação sofre consequências e daí surgem os emaranhados.
É por isso que tantos pais de adolescentes recorrem à constelação: de acordo com os ensinamentos de Hellinger, a única relação passível de existir desequilíbrio é naquela entre pais e filhos.
Os pais sempre serão “maiores” por darem a vida aos filhos, o bem mais valioso, e jamais obterão um reconhecimento à altura.
O papel dos filhos, então, é tomar a vida como algo precioso, aceitar os pais como eles são e passar adiante o amor recebido, seja construindo uma família, um projeto, uma missão.